Timotinho Cabral de Cristo
Pastores que oprimem Jornalista
lança livro em que aborda a questão do abuso espiritual praticada por líderes
contra seus fiéis. Por Joanna Brandão
Adriano era um profissional com
futuro promissor. Advogado formado pela prestigiada Universidade de São Paulo,
a USP, ele ainda ocupava a função de obreiro na igreja que frequentava.
Aspirava ao pastorado – o que, conforme a própria Bíblia é uma excelente opção
para o crente. Fiel ao seu líder espiritual, Adriano costumava seguir seus
conselhos e determinações à risca, entendendo que desta forma estava agradando
a Deus. Chegou a fazer um voto público de lealdade ao dirigente. “Ele fazia uma
espécie de mantra em torno do versículo que diz que quem honra o profeta recebe
galardão de profeta”, lembra. Gradativamente, o jovem obreiro passou a
negligenciar suas responsabilidades fora da igreja, como o trabalho e o cuidado
com a família, tudo em prol daquele seu voto. Submetia-se a condições duras,
enquanto o pastor não se furtava a luxos como mesas fartas e carros importados.
A mulher e os dois filhos de Adriano acabaram abandonando-o, não suportando o
controle exercido pelo pastor sobre sua vida. Frustrado, o advogado fraquejou
na fé, envolveu-se com outras mulheres e acabou engravidando uma delas.
A vida do rapaz virou do avesso.
Hoje, Adriano aguarda o nascimento do bebê inesperado e preocupa-se com o baixo
orçamento e a impossibilidade de rever constantemente os filhos, que vivem com
sua ex-mulher. “É uma loucura o dano que meus filhos sofreram por causa disso
tudo. Não há indenização que pague o que esse pastor causou em minha vida”,
desabafa. Este e outros relatos, verídicos apesar da omissão dos nomes verdadeiros,
constam do livro Feridos em nome de Deus (Mundo Cristão), da jornalista
evangélica Marília Camargo César. A partir do depoimento de gente que se
considera vítima de líderes religiosos autoritários, a autora realiza um estudo
sério sobre essa realidade, analisando as diferentes situações envolvidas no
círculo de abuso com sensibilidade e propriedade. A obra descreve as diferentes
formas que o abuso religioso pode assumir – pastores que dominam suas ovelhas
sob o ponto de vista emocional, financeiro e psicológico, quase sempre com
consequências ruins. “O líder impõe sua visão de mundo sobre a ovelha, e esta a
aceita como uma ordem divina que precisa ser obedecida, sob pena de punição”, diz
Marília.
“O abuso espiritual poderia ser
definido como o encontro entre uma pessoa fraca e uma forte, em que a segunda
usa o nome de Deus para influenciar a outra e levá-la a tomar decisões que
acabam por diminuí-la física, material ou emocionalmente”, define Marília. O
problema acontece mais comumente em igrejas pentecostais, onde geralmente o
líder tem maior autonomia e pode apelar para elementos empíricos, como supostas
profecias ou revelações para legitimar seu domínio sobre a vida dos fiéis.
Estabelece-se então uma relação que vai muito além do saudável discipulado
bíblico e pode envolver áreas pessoais da vida do crente. “A obediência ao
líder não pode ser cega. Todo ensino deve ser confrontado com as verdades
bíblicas, para evitar desvios de rota”, adverte o pastor Paulo Romeiro, autor
dos livros Supercrentes e Decepcionados com a graça, lançados pela mesma
editora, em que aborda, entre outros assuntos, a questão do controle exagerado
do rebanho pelos pastores. Para o estudioso, no entanto, um erro não pode
justificar outro: “A Epístola aos Hebreus que ordena explicitamente: ‘Obedeçam
aos seus líderes e submetam-se à autoridade deles. Eles cuidam de vocês como
quem deve prestar contas. Obedeçam-lhes, para que o trabalho deles seja uma
alegria e não um peso, pois isso não seria proveitoso para vocês’”, recita.
“Porta-voz divino”
Quando o círculo do abuso
religioso é analisado mais de perto, nota-se que ambas as partes, abusado e
abusador, sofrem no processo. A base dessa semelhança está no fato de que, em
um dado momento, as duas pontas perderam o controle, sua identidade e a própria
dignidade. “Quem exagera no autoritarismo também foi ou está sendo vítima de
abuso”, aponta o pastor batista Ed René Kivitz. Ele explica que a figura de um
pastor único não tem respaldo do Novo Testamento. “A única vez em que a palavra
‘pastor’ é usada no singular é para se referir a Jesus. Em todas as demais, é
usada no plural, para indicar um grupo de anciãos, ou presbíteros, que zela
pelo bem-estar de toda a comunidade.” Nesse caso, a autoridade fica dividida
entre um colegiado, o que dificulta a possibilidade de haver exageros no
controle da obra de Deus e força os líderes a prestarem contas uns aos outros.
Fato é que muito sofrimento
poderia ser evitado nas igrejas se os fiéis estivessem mais preparados para
reconhecer os abusadores ou o ambiente propício para formá-los. O pastor
Ricardo Gondim, dirigente da Igreja Betesda em São Paulo, realizou um estudo
expondo algumas características comuns aos pastores abusadores. Entre estas,
encontra-se a postura incontestável do líder, o qual passa a ter a palavra
final para todas as questões, tornando-se dono da verdade, uma espécie de
“porta-voz divino”. “O medo na relação entre o fiel e seu pastor pode ser um
sinal de problemas, pois essa relação deve ser permeada de amizade sincera,
doação, afeto e solidariedade”, comenta Gondim.
Autoritarismo, manipulação e desrespeito.
Autora do livro, Feridos em nome de Deus, a
jornalista Marília Camargo César falou sobre as dimensões que o abuso
espiritual pode ter na vida de fiéis submetidos a lideranças eclesiásticas
autoritárias. “Mas é possível identificar o problema e lidar com suas
consequências”, diz, nesta entrevista a CRISTIANISMO HOJE:
CRISTIANISMO
HOJE – A senhora diz que a motivação para escrever o livro foi um caso de
abuso espiritual que presenciou. Fale sobre essa experiência.
MARÍLIA CAMARGO CÉSAR – Não fui, particularmente, machucada por
pastores, porque não andava rotineiramente muito próxima deles, embora
convivêssemos bem. Mas testemunhei, na vida de amigos próximos, o estrago que o
convívio com nossas antigas lideranças produziu. Muitas histórias de abuso
começaram a aparecer depois que um dos pastores de nossa antiga comunidade
afastou-se por motivo de saúde. Pessoas que caminhavam bem perto daquele líder
começaram a contar histórias tenebrosas de abuso de poder, manipulação
psicológica e tirania explícita. As vítimas de abuso eram pessoas adultas e com
uma boa formação socioeconômica, por isso eu não conseguia entender como haviam
se deixado manipular daquele jeito, só tendo coragem de denunciar o que havia
depois que ele se afastou.
Qual
foi o caso mais grave de abuso que a senhora conheceu enquanto escrevia o
livro?
Foi o caso de uma jovem que
sofria de uma doença degenerativa rara – miastenia gravis – e que foi simplesmente
massacrada por sua congregação porque não alcançou plenamente a cura. Além
desse problema, ela foi levada a crer, pelo pastor, que deveria orar e investir
num relacionamento afetivo com um rapaz da igreja, situação que acabou lhe
causando enorme constrangimento quando ele apareceu na igreja com uma nova
namorada. De certa forma, foi bom para ela, porque o embaraço serviu-lhe para
mostrar o nível de adoecimento daquela comunidade, o nível de fundamentalismo
que praticavam, e isso acabou por abrir os seus olhos. Ela saiu da igreja e,
até onde eu sei, não fez parte de nenhuma outra congregação desde então.
Em sua opinião, quais são os principais tipos de abuso espiritual e
suas características?
O livro fala de abuso de poder,
de abuso financeiro, mas mostra as nuances do abuso que julgo mais sutil e
difícil de identificar, mas bastante devastador da mesma forma, que é o abuso
de ordem psicológica ou emocional. O líder impõe sua visão de mundo sobre a
ovelha, e esta a aceita como uma ordem divina que precisa ser obedecida, sob
pena de punição. O pastor diz, por exemplo, que o discípulo deve casar-se com
determinada pessoa, porque teve uma “visão” de que esta era a vontade de Deus
para a sua vida. Não importa que não haja, a princípio, nada em comum que possa
unir aquele casal. E o fiel obedece. O pastor fala para uma mulher que apanha
sistematicamente de seu marido que ela deve fidelidade a ele, porque isso é
bíblico. Ou então fala para uma pessoa com uma doença grave que ela ainda não
foi curada porque está fraquejando na fé. Todos esses são exemplos reais de
pessoas que só se recuperaram emocionalmente após muitas horas de psicoterapia.
E, claro, após deixarem essas igrejas.
E por que as pessoas deixam a
situação chegar a tal ponto?
Depois de escrever o livro,
compreendi que, quando acreditamos estar sofrendo alguma coisa por amor a Deus,
aguentamos as piores humilhações. Aquelas pessoas acreditavam, sinceramente,
que estavam sendo disciplinados por profetas do Senhor para o seu próprio bem e
crescimento espiritual, quando na verdade estavam sendo é espezinhados
emocionalmente.
Como os abusos podem ser
evitados?
Maturidade espiritual não é
alguma coisa trivial, que se alcance da noite para o dia. É preciso uma longa
caminhada, tolerância e paciência; o fiel precisa estar bem acompanhado – e aí
se incluem lideranças maduras, com uma boa formação, saudáveis física,
psicológica e teologicamente, que possam ensinar um cristianismo autêntico,
vivo e não fundamentalista. É preciso também cercar-se de amigos verdadeiros,
que nos apoiem e não fiquem nos julgando quando falamos aquilo que estamos
sentindo, por mais horrível que isso possa ser.
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2011 Cristianismo Hoje
Muito bom o blog com assuntos bem trabalhados e reflexivos gostei do site.
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