Ler & Pensar VIII
A
esperança da falência
Por:
Rev. Digão
A
ciência médica traz um diagnóstico que, à primeira vista, pode assustar os
desavisados, mas que, após esclarecimentos, nos diz muito sobre o estado da
igreja. Quando uma pessoa falece devido ao mau funcionamento de seu corpo,
diz-se que ela teve falência múltipla de órgãos. Ou seja, um a um, cada um dos
principais órgãos (cérebro, rins, pulmões e coração) para de funcionar devido a
problemas de circulação sanguínea no corpo. Por falta de suprimento de energia,
uma vez que não conseguia mais meios de se manterem vitais por ausência da
oxigenação vinda da circulação, tais órgãos “jogam a toalha”, deixam de
funcionar, levando o paciente a óbito.
Vendo
a situação da igreja evangélica brasileira, sinto um diagnóstico de falência
múltipla de órgãos vindo logo por aí pelo Médico dos médicos. Assim como no
corpo humano, quando sofre de problemas de circulação que levam à falência
múltipla, sofremos de circulação. O sangue de Cristo não é mais tão importante
entre nós. O sangue dos mártires, verdadeira sementeira da igreja nas palavras
de Tertuliano, não é mais algo que atraia a membresia das comunidades locais.
Em vez disso, há uma ânsia pela circulação do sangue do capitalismo no meio das
denominações, ou seja, dinheiro.
Há
também falta de oxigenação. No corpo humano, a falta de oxigenação prolongada
compromete irremediavelmente o cérebro. No corpo eclesial brasileiro, como já
bem pontuou João Alexandre, é proibido pensar. Sempre há policiamento
comportamental ou dogmático entre nós. Não sou contra dogmas. Creio neles. Para
mim é inconcebível que alguém se afirmando cristão, negue publicamente a
soberania de Deus, Sua onisciência/onipotência/onipresença ou ainda a divindade
de Cristo, por exemplo. Mas tenho medo de dogmatismos, ou seja, da
cristalização de opiniões e conceitos humanos que, com tal cristalização,
assumem o valor de dogma. Um bom exemplo disso é o valor dado às palavras
heréticas e blasfemas ditas por pessoas despreparadas para a ministração da
Palavra, mas que alcançaram status de popstar. Afinal, questionar tais popstars
é levantar a mão contra o “ungido do Senhor”...
Mas
estou esperançoso. Ainda que a igreja evangélica brasileira esteja a caminho da
falência múltipla de órgãos, tenho uma grande esperança em meu coração. Digo
isso porque cada vez mais entendo que igreja-instituição não é a mesma coisa
que igreja-organismo. Por mais que haja pessoas que confundam os dois (se de
forma inocente ou deliberada não sei), não dá para discordar de Emil Brunner e
Howard Snyder, entre outros, que fizeram maravilhoso trabalho na distinção
entre organização e organismo (Snyder), ou ekklesia e igreja (Brunner).
A
organização está falindo. Algumas já faliram, apesar de ainda ter seus
ministros, oficiais, reuniões administrativas. Outras ainda não chegaram a este
ponto. Mas a igreja de Cristo, o Corpo, o Povo de Deus, aqueles por quem as
portas do inferno não resistiriam (Mt 16.18), esses continuam de pé, já que são
cuidados por Ele, e não por nossos mini-papas regionais.
Quando
Jesus ressuscitou, vencendo a morte, não foi atrás de Anás e Caifás, ou bateu
às portas do templo para dizer “Viu? Voltei!”. O Senhor sabia que o templo
judaico estava com o diagnóstico da falência múltipla de órgãos. Antes, Jesus
voltou para os Seus amados, imperfeitos e falhos discípulos.
Hoje,
como naqueles dias, Jesus não volta Seus olhos para o sistema religioso, que é
apenas tolerado. Antes, volta Sua atenção a nós, rebanho de Seu pastoreio. A
própria Bíblia já nos deu essa percepção muito antes de nossos tempos bicudos
virem à tona. No salmo 121, o salmista diz elevar os olhos para os montes,
buscando socorro (v. 1), ou seja, para Jerusalém, cidade firmada sobre montes,
e símbolo da religião judaica. Em vez de esperar ajuda de Jerusalém, ou do
sistema religioso de sua época, o salmista diz esperar no Senhor (v. 2).
Possamos, então, sempre esperar pelo Senhor, e deixar de olhar para os montes
institucionais. Nisto é que deve residir nossa esperança.
Fonte:
www.genizahvirtual.com
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